De tempos em tempos, a comunidade BDSM tenta reinventar a roda. Aparecem siglas novas, filosofias “alternativas”, siglas que ninguém decora, e discursos que fazem malabarismo com palavras bonitas para parecerem mais modernos do que de fato são.
Mas o que poucos percebem é que, no meio disso tudo, tem uma sigla que segue firme, funcional e atual: S.S.C. – São, Seguro e Consensual. E não é à toa.
Sanidade – O que é são pra você pode não ser pra mim (e tudo bem)
Vamos começar pelo começo: a sanidade. Diferente do que alguns gostam de acreditar, sanidade não é um conceito fixo e universal. O que é loucura pra uns, é alimento de alma pra outros.
Amarrar alguém com cordas, fazer uma sessão de contenção, usar chicotes ou explorar fetiches de adoração pode parecer coisa de filme bizarro para quem vive preso ao padrão baunilha. Mas dentro do nosso universo, quando há estudo, consciência e preparo, isso é expressão legítima da nossa essência.
Então não, não estamos falando aqui de carteirinha de sanidade assinada por um psicólogo. Estamos falando de discernimento mínimo para viver o que se quer viver sem se arrebentar ou arrebentar o outro.
Segurança – Não existe prática 100% segura (e nunca existiu)
O segundo “S” da sigla é talvez o mais mal compreendido: segurança.
Deixe-me ser direto: não existe segurança absoluta — em lugar nenhum. A vida já é, por natureza, um campo minado de riscos. Nascemos correndo perigo. Crescemos tropeçando. E se respirarmos fundo demais, já corremos o risco de engasgar.
No BDSM, a segurança está na busca constante por conhecimento, habilidade técnica e responsabilidade. Em entender fisiologia humana, em saber a diferença entre causar dor e causar lesão, em reconhecer sinais de exaustão emocional — e principalmente, em saber parar antes de passar do ponto.
É segurança relativa, mas ainda assim necessária.
Consensualidade – O que separa uma cena de um crime
E então chegamos ao “C”, que, diferente dos outros dois, não é relativo. É absoluto.
Se não há consentimento, não estamos falando de BDSM — estamos falando de violação, abuso, crime.
O consentimento pode ser flexível, sim, mas ele nunca deixa de existir. O que se permite hoje pode não se permitir amanhã. O que era fetiche ontem pode ser limite hoje. E tudo bem. O consentimento é o único item dessa lista que não pode ser suspenso em nome de dinâmica nenhuma.
E antes que alguém venha com o discurso “ah, mas minha slave não tem safe word”, eu devolvo com um sorriso educado: se ela não pode dizer não, você não está numa relação de poder — você está criando uma bomba-relógio que vai explodir no colo de alguém (possivelmente no seu).
E as outras siglas? R.A.C.K.? P.R.I.C.K.? Bonitas. Inúteis.
Sim, vamos falar disso também. Porque sempre que uma sigla sobrevive tempo demais, aparece alguém tentando “aperfeiçoar”.
Veio o tal do R.A.C.K. — “Risk Aware Consensual Kink” — tentando parecer mais maduro por admitir os riscos. Ok. Mas... alguém aqui já achava que BDSM era um parque de diversões sem risco nenhum?
Depois veio o P.R.I.C.K. — “Personal Responsibility in Consensual Kink” — que transfere toda a responsabilidade para a parte que consente, como se o dominante estivesse ali só de passagem, coitado.
Ambas tentam sofisticar o que o S.S.C. já cobre com clareza. Criam firulas, dispersam a atenção e enfraquecem o que deveria ser simples.
A simplicidade é o segredo da longevidade
O S.S.C. sobreviveu porque é simples, direto, e funciona. Quando bem compreendido, ele guia, protege e sustenta. Não precisa de complemento. Precisa de prática, estudo e maturidade — e isso sim anda em falta.
Quer se aprofundar nas Relações de Poder com ética, segurança e inteligência? Comece e termine com o S.S.C. Entenda que sanidade é discernimento, que segurança é zelo técnico e emocional, e que consensualidade é a linha que separa o jogo do trauma.
Todo o resto é barulho.
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